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Acabei de encontrar uma carta em papel de seda, com pontas puídas, endereçada a minha mãe, em 1973. Uma amiga lhe incita com um anúncio, deseja que ela encontre um bom companheiro, com sensibilidade. Sei que a cobrança social contribuiu muito para o passo na frente de M., afinal, muitos acreditam que a realização de uma mulher, sua felicidade, depende da figura do macho, procriador, chefe de família. Por mais que tenhamos consciência disso, e lutemos contra, às vezes a cultura é interiorizada. Segundo M, o fruto mais bonito do seu amor por um homem foram os filhos, que ainda ocupam o seu existir. O anúncio de Leda Rivas, hoje, é meu, assim como foi de minha mãe em tempos idos, afinal, “nenhum homem é uma ilha”.


Existe uma concepção atual entre “jovens de vinte e poucos anos”, como uma mística que precisa ser seguida no dia dos namorados. Trocar presentes, jantar, e depois tudo acaba na cama. É claro que há prazer no sexo e ao degustar um bom prato - nem que seja momentâneo. Ou em ser presenteada com algo especial. Mas é o amor, de forma verdadeira, que devemos celebrar. Os noticiários mostraram centros comerciais lotados, todos, mesmo que de última hora, comprando presentes para o amado ou amada. A maioria dos jovens estão presos a obrigatoriedade das rotinas, dos apelos comerciais, culturais e midiáticos. Uma tarde romântica no parque já não satisfaz, um poema escrito para a pessoa amada está em desuso, tudo passou a ser uma obrigação, uma mecânica.

 É claro que existem exceções, já conheci algumas. Mas, hoje, esse anúncio de Leda Rivas é meu, porque é realmente um desafio encontrar “jovens de vinte e poucos anos” nos moldes escritos. Antigamente anunciava-se a procura de um amor, dava-se informações sobre a cor dos olhos e altura nos jornais – que para muitos servia como uma vitrine. Então, vamos anunciar, já que há muito se diz que “a propaganda é a alma do negocio”. Como Clarice, sonho em ter uma casa com jardim, cachorros e filhos. E espero encontrar, como Leda desejou também, alguém com coração de irmão. Não tenho pressa, mas confesso que a vida sem um amor é um tanto sem graça.

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Procura-se alguém que não tenha compromisso com a vida e com ninguém
Que não faça parte de nenhuma corrente
Mas que possa sempre participar da tristeza da gente
Alguém que saiba ainda querer bem.
Procura-se alguém que não tenha partido
Que não queira impor a sua opinião
Alguém que saiba calar, que possa escutar
Alguém que já tenha sofrido e saiba também ser irmão.
Procura-se alguém com vinte e poucos anos
Que também seja só
Que saiba de enganos, desenganos
E tenha muito amor para dar.
Alguém que possa logo vir comigo pela vida a fora
E entenda se eu chorar.
Procura-se alguém com coração de irmão.

Comentários

  1. é mesmo, beli...
    afinal acho que temos que aproveitar nossa insustentavel leveza e nao peso de presentes obrigatorios no dia 12 de junho

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Eaí?