Ensaios do absurdo

Fico vendo o mundo passar aqui de cima, da janela do meu trabalho. Tão triste como essa manhã chuvosa, ônibus lotado, sapatos molhados e um longo engarrafamento (Ô Conde da Boa Vista, antigamente não havia isso, não é mesmo?) foi a briga que presenciei hoje pela manhã. Como dizia Albert Camus, no Mito de Sísifo, o sentimento do absurdo pode esbofetear qualquer homem à esquina de qualquer rua.
Briga entre a decadência e a embriagues, entre o descaso e a miséria, entre homens-animais que dormem nas calçadas e perambulam dia e noite pelas ruas, mendigando tudo quanto o ser humano necessita para ser feliz. Eles se esmurraram, estapearam-se em câmera lenta, trocando insultos, ameaçando um ao outro com palavras e olhares, o mais velho tentava impor respeito para impedir o murro do outro, que, lentamente impelia toda sua frágil força sobre a embriagues. Vocês conseguem imaginar a decadência e a embriagues duelando? É triste, grotesco, a imagem do absurdo em que estamos imersos.
Vitimas da violência urbana, do abandono. Marginalizados pelo Estado que não acolhe, não faz cumprir nossos direitos à segurança, asilo, residência, trabalho, educação – previstos na Declaração Universal dos Direitos dos Homens. E todo esse discurso de direitos humanos parece balela quando acompanhamos, pela mídia, casos inacreditáveis como o da menina Isabella e as inúmeras ocorrências de pedofilia no nosso país – para quem não sabe o pedófilo ainda não é enquadrado como criminoso no Código Penal Brasileiro. Absurdo. Se pessoas abusam de crianças, inescrupulosamente, e não são tidas como criminosas, imagino que também não são os traficantes de drogas, políticos corruptos e governos displicentes que deixam epidemias como a “dengue” se alastrem pelos Estados – No Rio de Janeiro o número de óbitos é de 79 pessoas e existem 75.399 ocorrências da doença.
Me parece que estamos vivênciando uma sociedade suícida, que aos poucos padece nas mais cruas ânsias de um porvir feliz, mais humano, equilibrado, igualitário. O mundo vêm flagelando o mundo, e as feridas são tantas que quase não sentimos dor, nos tornamos insensíveis, quase nada toca. Esse divórcio entre o homem e a sua vida, dizia Camus, entre o ator e seu cenário, é que é verdadeiramente o sentimento do absurdo. Mas o amor pode suplantá-lo, amemos, então, amemos.



Belisa Parente

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